Mauricio Koki Matsutani*
A pandemia da covid-19
no Japão foi o estopim para expor à sua população como os diversos
órgãos de governo estavam despreparados para enfrentá-la. Muito embora
possua um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo, o baixo
desempenho no enfrentamento deu-se, entre outras coisas, em função do
que o governo japonês chamou de derrota digital.
Tal como no Brasil, o governo japonês implantou um grande programa de distribuição de renda. Porém, o do Japão fracassou, devido à baixa digitalização de serviços públicos, alguns deles inclusive de operação manual. Diferente de lá, aqui no Brasil, a Dataprev conseguiu implantar o auxílio emergencial em apenas 6 dias, permitindo assim que a Caixa Econômica Federal realizasse os primeiros pagamentos logo em seguida.
Outro fator que afetou o enfrentamento da covid-19 foi a falta de integração dos sistemas de TI. Cada ministério e município possui seus próprios sistemas de TI personalizados, criando dependência tecnológica junto aos seus fornecedores, que além de dificultar o compartilhamento de informações, provoca aumento de custos e dificulta a competição. Isso já ocorreu no Brasil e ficou conhecido após a privatização da Datamec, tornando o antigo Ministério do Trabalho e Emprego refém da multinacional Unisys. Anos mais tarde, todos os sistemas tiveram que ser reconstruídos pela Dataprev como forma de garantir a continuidade de negócios do citado ministério.
Como resposta aos problemas apontados, o governo japonês criou a Agência Digital do Japão. A empresa estatal de tecnologia da informação tem como missão recuperar o atraso na transformação digital japonesa, de acordo com o ranking de Competitividade Digital Mundial do IMD (International Institute for Management Development).
Os países desenvolvidos já perceberam a importância dos serviços
públicos digitais e criaram agências dedicadas, como o Reino Unido, que
fundou o Government Digital Service em 2011, e Cingapura, que criou a
Agência de Tecnologia do Governo, conhecida como GovTech.
Um dos maiores projetos desta nova estatal de TI será o GovCloud, como
forma de resolver a colcha de retalhos de plataformas tecnológicas,
assim como de cortar custos e implementar serviços mais rapidamente,
como Dataprev e Serpro já fazem há muito tempo.
Esta agência será responsável por desenvolver o sistema de certificados digitais de vacinas, que o governo planeja implantar até o final do ano, e que aqui no Brasil já existe por meio do aplicativo Conecte SUS do Ministério da Saúde. O controle da vacinação apresentou problemas de digitalização que poderiam ter sido evitados se a estatal de TI tivesse participado desde a fase de planejamento.
Outro problema relatado foi em relação à governança. Uma investigação independente apontou um potencial conflito de interesses sobre o processo de licitação de um aplicativo para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio, daí a importância destas atividades serem executadas por funcionários públicos concursados.
O exemplo do Japão não é isolado. Países desenvolvidos têm revisto o
papel de empresas que prestam serviços à população, como água e esgoto,
energia e agora, tecnologia da informação. Uma série de reestatizações
está em curso hoje porque empresas privadas têm falhado em prover
serviços de qualidade com um preço adequado e o enfoque cidadão que a
Dataprev e o Serpro possuem. Causa estranheza o fato do Brasil não
observar o contexto mundial e se arriscar a repetir os erros que já
estão sendo sanados nesses locais.
*Mauricio Koki Matsutani, é mestre em Estatística pela UFRJ e Analista de Tecnologia da Informação na Dataprev. Artigo publicado no site Congresso em Foco
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